Muito mais que medo da morte e da doença fatal, parece ser unânime o medo da velhice avançada com dependência. Observe que não coloquei somente o medo da idade avançada, mas o medo da dependência. Ficar idoso e ter idade avançada é uma grande conquista do século XXI, pois para a grande maioria dos idosos é um tempo de muita independência e autonomia.
Mas quando uma doença incapacitante chega, trazendo a falta de autonomia, a perda do controle de sua vida e a dependência, parece que muitos esquecem que passaram 20-30 anos de uma velhice saudável e só reclamam e lembram dos últimos anos da sua “triste” vida de dependência da família.
Meus amigos, está claro para todos nós o ciclo de vida que vivemos atualmente: nascemos, somos criança. jovens, adultos, envelhecemos e, no final do ciclo, ficamos dependente da família ou das instituições de longa permanência para idosos e, um dia, morreremos. Reparem que nesse ciclo de vida que estamos vivenciando, a velhice é o tempo da vida que mais estamos passando. Ninguém fica criança, jovem ou adulto por 20 anos ou mais. Entretanto, milhões de brasileiros estão vivendo 25 a 30 anos de suas vidas na chamada terceira idade!
Voltando a dependência, um dia ela vem… E se não vem, é porque morremos antes. É muito comum ouvir que a dependência é pior que a morte (como se a gente soubesse o que seja a morte). Porém, dependência implica que alguém está subordinado, está obtendo amparo e auxílio de outrem ou de algum grupo ou comunidade. Na grande maioria dos idosos dependentes, a família é a grande provedora de cuidados e de amparo. E aí vem a pergunta: depender da nossa querida família, que com tanto carinho nós cuidamos e criamos, é motivo de pânico, tristeza e desagrado?
Costumo dizer que a melhor família do mundo é a nossa: tanto aquela de onde viemos, como aquela que construímos com nossa(o) parceira(o). É a que contamos para todas as nossas desventuras, nossas conquistas e aquela que nos amparará nos momentos mais necessários. E é nessa família que encontraremos alguns personagens comuns e típicos, no triste drama de cuidar de um idoso dependente. Descreveremos alguns:
- A filha (a esposa, a neta, a irmã, a nora) que cuida do idoso sozinha: essa todos conhecem, sempre prestativa e sempre pronta para auxiliar nossos idosos. A escolha é clara e ninguém da família pergunta para ela se gostaria ou não de assumir os cuidados de seu querido familiar, agora dependente. Também, ninguém da família pergunta se ela está precisando de ajuda ou se precisa tirar férias ou descansar um pouco. Afinal, papai ou mamãe sempre gostou mais dela, sempre morou com ela, sempre deu mais apoio para ela. Agora está na hora dela retribuir. Nunca sabemos por que ela, vez ou outra, pede para que a ajudemos e temos que levar nosso idoso dependente para nossa casa. Mas minha esposa, meu marido não se dá bem com meu pai ou minha mãe. Ou minha casa não está estruturada para receber mais gente. Além de ter que cuidar do idoso, muito dependente, às vezes com doenças como Alzheimer, tem que enfrentar uma doença ainda mais cruel, mais difícil: a indiferença da família.
- O irmão que manda muito e pouco faz: normalmente do sexo masculino, mas pode ser também mulher, geralmente com a melhor situação financeira da família. Mostra aquela aura de preocupação e de carinho pelos pais, mas nunca pode recebê-los em casa. Seu trabalho não lhe dá tempo para isso. Ou não tenho jeito para essas coisas. Ou “minha irmã solteira, viúva, separada tem obrigação de assumir, porque está mais livre para isso”. “Afinal, assumo os remédios e o plano de saúde dos velhos e tenho que pensar em tudo nessa família. Se não fosse eu…”
- Aquele que não quer nem saber (o irmão avestruz): esse não pergunta, não quer saber notícias, não visita os pais nos dias de festas, não vai ao hospital, não ajuda com dinheiro e com a presença. “Não é comigo, não quero nem saber.” “Se eu der uma mãozinha… vou acabar entrando na roda e ter que ajudar mais”. Mas quando os pais morrem: “Tô de olho no que é meu direito, ouviram?”
- A irmã que parece solícita, mas vive saindo de fininho: Aparece todos os dias na casa onde o pai ou a mãe idosa dependente mora, fica algumas horas, conversa muito, dá muitos palpites, toma cafezinho… Mas quando é solicitada para receber o idoso na sua casa, pois a irmã que cuida precisa fazer uma cirurgia: “Que pena, se tivesse me dito antes, pois já tinha marcado com meu filho de visitá-lo e ver minha netinha, até já comprei a passagem de avião”… “Da próxima vez, pode deixar que ficará tudo por minha conta e responsabilidade!”
- O conspirador: Esse além de não ajudar, atrapalha mesmo! Acha que todos estão conspirando contra ele e contra seus pais. A doença do pai ou da mãe não melhora, pois os médicos não sabem nada. Ou: “Meus irmão nunca me ouvem, esses médicos não querem que meu pai melhore, só quer o dinheiro dele.” Ou: “Por que tem que ser somente o remédio que está na receita do médico, não pode ser um genérico ou similar? Quanto será que esse médico não está ganhando do laboratório para receitar esse medicamento?”
- O pão-duro: Esse pode até visitar sempre os pais, pode até dar mais atenção e auxílio à irmã que cuida, mas não lhe fale em dinheiro, não lhe peça para ajudar mais nos remédios e no plano de saúde. “Tô com o filho na faculdade, tô gastando o que não tenho!” Ou: “Vocês não tem ideia de minha despesa mensal!”
- O irmão que é problema: em quase todas as famílias tem sempre um que é o irmão-problema: o psiquiátrico, o viciado em drogas, o separado que mora com os pais ou o que é alcoólatra. Além da coitada da cuidadora familiar ter que cuidar do pai ou da mãe (ou do pai e da mãe), tem que conviver, tem que morar e sustentar esse bendito irmão-problema. Esse nada ajuda e tudo atrapalha.
Repito: apesar de tudo, a melhor família do mundo é a nossa. Mesmo que seja a família que atrapalha! Conhecem mais algum tipo familiar? Faça seu comentário!
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