A culpa, às vezes,
dói mais que feridas físicas. É o que dizem os familiares de pessoas com
doenças incapacitantes quando percebem que já não são capazes de cuidar do
parente sozinhos. Escolher entre procurar uma clínica de repouso, contratar um
acompanhante ou manter o doente entre a família é uma decisão entremeada por
angústias e insegurança.
No caso da paulistana Maria Aparecida
da Fonseca Santos, de 52 anos, as tentativas de amparar o ex-marido sem ajuda
profissional duraram cinco anos. Nesse período, ela se dividia entre os
cuidados com o aposentado Osvaldo Fernandes dos Santos, de 80 anos, e o
trabalho no salão de beleza instalado na garagem de sua casa. “Era terrível, eu
ficava esgotada. Ele é teimoso e, quando decidia que queria sair, vinha ao meu
salão e gritava para irmos embora na frente das clientes”, conta.
O aposentado, acometido pelo mal de
Alzheimer, tinha comportamento agressivo. Por isso, algumas vezes a polícia e o
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tiveram de ser chamados para
ajudar Aparecida. Diante das dificuldades, ela experimentou contratar um
cuidador. “Primeiro veio uma mulher, que não aguentou ficar nem dois dias.
Depois teve um rapaz, que ficou 5 meses. Mas começou a faltar e aí eu sentia
que tinha de tomar conta do paciente e do cuidador, por isso dispensei o
serviço”, relata.
Quando Santos começou a usar fraldas
e a necessitar de ajuda para tomar banho e comer, Aparecida admitiu para si
mesma que a situação havia ficado insustentável. Foi então que internou o
ex-marido em uma casa de repouso, onde hoje o visita, três vezes por semana. Mesmo
assim, ela ainda não se sente confortável com sua consciência. “A gente acaba
se culpando. Às vezes, dá a sensação de que essas clínicas são depósitos de
velhos que estão esperando sua hora chegar”, desabafa. E lembra que levou o
aposentado para viver com ela quando amigos lhe contaram sobre comportamentos
estranhos que ele vinha apresentando – como imaginar pessoas estranhas em sua
casa.
A consciência de Soraya Ruffo, de 54
anos, também não a deixa em paz por ter internado sua mãe, Odila,
que foi acometida pelo mal de Alzheimer aos 67 anos. “Depois de sua morte veio
a culpa, com letras garrafais”, conta. Apesar do desgaste emocional gerado pela
situação, a família deve entender seus próprios limites, segundo a psicóloga e
gerontóloga Rose Souza Lima. “É preciso trabalhar esse sentimento de
onipotência e compreender que, às vezes, o que aquele familiar está precisando
não é possível oferecer.”
Presidente da Associação Brasileira
de Alzheimer – Regional São Paulo, Vera Caovilla acredita que os familiares
acabam se sentindo “super-homens” e deixam de reconhecer que também precisam de
apoio. “O desgaste é tremendamente comum e o cuidador esquece que ele também
precisa ir ao médico, cortar o cabelo e descansar. Se não estiver bem, não vai
conseguir atender o paciente bem.”
Segundo os especialistas, muitas
vezes a tensão emocional provoca também desgastes imunológicos. E o próprio
cuidador começa a ter a saúde afetada pela situação, com repercussão nas taxas
de colesterol, açúcar e triglicérides, além de variações de pressão.
Vera lembra que, no passado, dizia-se
que o melhor lugar para se cuidar de um idoso era dentro de casa, no seu
habitat. Mas aquele era, segundo ela, um tempo em que havia mais pessoas dentro
de casa. Hoje, com os núcleos familiares menores, é difícil evitar que um dos
parentes acabe sobrecarregado.
Para Rose, enquanto o paciente
mantiver um pouco de autonomia, é preciso valorizá-la, promovendo uma
independência supervisionada. “Quando a doença está em estágio avançado, as
clínicas também são uma opção. Lá, existe o atendimento de pessoas
especializadas e toda a estrutura necessária”, diz. Muitas vezes, lembra Rose,
montar uma estrutura especial para atender o paciente em casa pode ser mais
caro e exigir um trabalho mais intensivo da família. Por outro lado, se há essa
possibilidade, a opção é boa por permitir um contato mais próximo com os
parentes.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/quem-vai-cuidar-dos-idosos-da-familia/
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